sexta-feira, 3 de outubro de 2008

In The Garage... and on a Stage


Devo anos de terapia para Rivers Cuomo. A primeira confissão seria: não conheci o Weezer no Blue Album. Sério. E a razão é tão estúpida quanto a que eu tinha em relação ao R.E.M.: o visual da banda e aquela capa fuleira, com quatro marmanjos em pé de encontro a uma parede falsa azul.

Lembro exatamente do dia em que conheci o Weezer.

Era meu aniversário de 22 anos. Era estudante no último semestre da faculdade. Morava numa cidade pequena, a Internet engatinhava em BBS negras e verdes e estava com a consciência pesada por ter acabado um namoro de três anos. Precisava ouvir algo além de No Code, do Pearl Jam, que não saía há três meses de um pequeno mini-system que tinha no quarto (não tente repetir isso hoje em dia, crianças, “Off He Goes” causa estragos). Pulei fora de casa, que ficava na frente da praia de Tambaú, em João Pessoa, e fui na única loja de discos importados da área. Evitava comprar ali, porque os preços eram altos demais para um estudante de jornalismo desempregado. A loja se sustentava com cópias de CD para fitas e gravações de shows (a maioria de heavy metal) em vídeo. O dono não precisava de muito para manter o negócio, era um ex-metaleiro careca (algo que viria a ser mais comum anos depois) que trazia discos de viagens ou encomendas de lojas de São Paulo. Obviamente, os CDs precisavam ser caros pra cacete. Mas não peça compreensão de jovens de 20 anos de idade. Entre aqueles poucos que amavam rock numa população formada por vaqueiros e forrozeiros, o dono da loja tinha os costumeiros apelidos por causa da “exploração”. Coitado.

Nesta dia, porém, abri a grade de ferro que protegia a porta de vidro, cheguei junto ao balcão e falei: “Oliver, me fala uma coisa pra ouvir que seja do caralho. Você sabe meu gosto.”

“Você já ouviu o novo do Weezer?”

“Não ouvi nem o antigo. Presta?”

“Acho que você vai adorar.”

Olhei para aquela capa marrom. O preço em volta dos 50 reais ou mais.

“Foda-se. É meu aniversário mesmo. Vou me dar esse presente. Se for ruim, troco” (é, a possibilidade de troca era algo que existia em cidades pequenas onde vendedores e consumidores se conheciam pelo primeiro nome e bebiam cerveja no fim de semana).


Sacola amarela nas mãos. Voltei para o apartamento. O fim da história é mais óbvio que o de comédia romântica americana. Pinkerton virou meu álbum de cabeceira, mudou a maneira de ouvir rock minha e de muita gente. Infelizmente, foi a semente da praga que são os emos hoje em dia. Pela primeira vez, a emoção de letras extremamente pessoais se fundia a um instrumental pesado, uma mistura maluca de Beach Boys, Nirvana e Kiss. Corri atrás do álbum azul. Logo, “Falling For You”, “Say It Ain’t So”, “El Scorcho”, “Butterfly” eram hinos decorados e estudados como a Bíblia.

A má notícia. A recepção negativa de Pinkerton pelos gênios da crítica – que hoje lambem o disco sem vergonha – bateu forte em Rivers Cuomo. O cara, que já não passava por uma fase das mais normais e seguras (o que era o charme das letras do Weezer), se isolou do universo e pensou em abandonar a música. O Weezer era tido como morto e enterrado quando a Internet começou a mudar a face da indústria fonográfica. Com a geração online tomando as rédeas da cultura, a banda de Cuomo passou de grupo indie cultuado para um fenômeno digital. Mesmo sem um disco novo nas mãos, o Weezer era a banda mais popular dos Estados Unidos. Sabendo disso, o Yahoo, que era uma empresa inovadora e de vanguarda no começo do século e não saco de pancadas do Google, bancou uma tour liderada pelo grupo. Entenda a coisa: sem DISCO, SEM SINGLE, SEM PROMOÇÃO, o Weezer iniciou uma turnê histórica pelos EUA, com as bandas de abertura Ozma e The Get Up Kids, além de um aparato tecnológico inédito para a época. No Yahoo Outloud!, você tirava fotos e mandava por e-mail para os amigos numa época que celular era um trambolho sem câmera, gravava coletâneas na hora, ganhava mil brindes, palhetas da banda, ingressos autografados e o diabo a quatro.

Boomp3.com

Foi o ano da vingança. Cinco anos depois, quem estava chorando as pitangas por causa de um namoro era eu mesmo. E novamente o Weezer apareceu para pavimentar um pouco o solo que parecia quebradiço. Estava em San Francisco (insira sua piada preferida aqui, canalhas) para conhecer a Industrial Light & Magic. Para um nerd fanático por Guerra nas Estrelas, era com um muçulmano ir à Meca. Pouco importava que estava ali para ver os efeitos especiais de O Retorno da Múmia. Como era uma das primeiras viagens a trabalho que fazia nesta reformulação da revista, fiquei num hotel baratinho, tipo Holiday Inn, perto do hotel que os jornalistas do resto do mundo estavam hospedados. Como sempre fazia, peguei um jornal cultural de graça para ver que filmes e que shows poderia ver na cidade. Numa notinha pequena na página de anúncios de shows, uma propaganda do Yahoo Outloud! Saca só: o Yahoo Outloud! era em letras GARRAFAIS E GIGANTESCAS. Abaixo, humildemente, li Weezer.

Pensei:

“Que merda é essa? Um show? Será um cover? Uma festa do Yahoo? Onde fica esse Bill Graham Civic Auditorium?”

Desci na recepção.

“Com licença, você saberia dizer onde ficar esse Bill Graham...?”

Imaginando a resposta (“Ah, fica fora da cidade, mas você pode pegar um trem”), já colocava na cabeça que não conseguiria ver o Weezer. Seria sorte demais. Um dia apenas em San Francisco e pegar minha banda favorita? Não creio.

“Ah, senhor, fica logo ali atrás.”

Acho que nunca andei tão rápido na minha vida. Era cedo da manhã ainda. Precisava pegar o ônibus para a IL&M em alguns minutos, mas arrisquei passar pela casa da apresentação. Só um senhorzinho faxineiro andava por lá.

“Com licença (sim, sou educado, porra!), o senhor sabe dizer o que vai acontecer aqui hoje à noite?”

“Ah, filho, é um show. Mas está esgotado.”

“Ah...”, murcho. “Obrigado.”

Passei o dia na IL&M meio esquecido do desapontamento. Estava com uma música do Manic Street Preachers (“Found That Soul”) que tinha ouvido na Tower Records (R.I.P.), noite passada, na cabeça e a empolgação nerdística era maior que qualquer coisa. Tudo certo, tudo lindo. Mulheres? Shows? Quem se importava no meio da Estrela da Morte (ehehe)? Retornamos para San Francisco. No caminho do hotel, decidi passar em frente ao Bill... para ver o que acontecia. Os cambistas pediam para comprar ingressos. Ninguém vendia.

“Merda.”

Quando passei em frente à bilheteria, notei uma fila e, talvez por influência paulista (morava em São Paulo há apenas oito meses), entrei na rabeira dela. Perguntei pra gatinha na minha frente:

“Sabe dizer se ainda tem ingresso?”

“Então... eles colocaram alguns para vender na hora, porque o resto foi vendido todo pela Internet.”

"UUUUUHHHHHUUUUUUUUUU", pensei, mas sempre mantendo o ar "não estou nem aí" para não zicar até o caminho para a bilheteria.

Ingresso na mão. Felicidade plena em época de caos emocional. O show foi bem mais baseado no primeiro disco, mas Pinkerton, já no lugar de disco essencial, não foi esquecido. A banda estava mais afinada e coesa que nunca. As músicas novas eram maravilhosas - algumas nunca foram lançadas. Meses depois, Green Album nas lojas. O Weezer estava de volta.

Boomp3.com

SECOND DATE
Meu segundo encontro com a banda foi maluco. Nos mandamos, eu e uns amigos, para Curitiba. Chuva muita, lugar pequeno. Fazia quatro anos que havia visto o quarteto. Agora, eram quase superstars. Mas estavam lá, enfrentando uma horda de brasileiros maníacos quase colocando tudo a perder quando derrubaram uma grade de proteção. Jornalistas falavam das bandas que ninguém mais falaria do festival (não lembro quais eram mais, juro, mas sei que quase dormi nelas), mas o Weezer fez um dos melhores shows que passaram por esse país. Rivers Cuomo parecia não acreditar no que estava acontecendo em setembro de 2005 na capital paranaense, uma das cidades mais legais do Brasil. Por 90 minutos, ele voltou aos anos que compôs “In The Garage”. Era menino novamente. Todos nós éramos meninos novamente. Somando-se aos hits antigos, “Island In The Sun”, “Smile”, “Don’t Let Go”... Nem lembro como estava minha vida naquela época, então devia estar tudo calmo, porque a gente parece que só lembra de tragédias e nunca de alegrias.

Hoje, coloquei as mãos em um novo show do Weezer, da turnê do Red Album. Engraçado como a banda mudou de três anos para cá. O set list de Nova York tem surpresas (“Suzanne” cantada a capella no começo e depois entrando com tudo; o lado B “King”), covers (“Sliver”, do Nirvana!!!, e “What’s The Story, Morning Glory”, do Oasis [??!!], cantada pelo baterista Pat Wilson), participação dos outros músicos no vocal (e até de fãs cantando "Island In The Sun"), uniformes malucos (isso você não tem como ouvir...). Acima de tudo, parece um grupo em paz com sua carreira. Não há conflitos ideológicos, a vontade de mudar o mundo outra vez, pressões idiotas. É apenas o Weezer se divertindo como pode, desfilando clássicos e jogando as melhores do último disco (“The Greatest Man That Ever Lived” ficou sensacional) para os fãs. Seria um nome forte para o Planeta Terra 2009? Tem meu voto. Mas avisem antes para eu me preparar.

Os covers estão no meio do texto, mas você pode baixar o show inteiro da banda (leia atualização abaixo). A gravação não é da mesa de som, mas não é ruim. Para agüentar um texto imenso desses, somente com um bônus no final mesmo para salvar o dia.

UPDATE: Uau, acho que o blog está ficando importante. Na madrugada, o post do Weezer foi APAGADO do nada, sem aviso, pedido ou algo do tipo. Aparentemente, por causa do show que coloquei para baixar aqui. Isso vem a confirmar uma blitz que os idiotas que gerenciam as músicas do Weezer estão promovendo pela Internet. Já mandaram textos de "pare ou morra" para alguns sites famosos, inclusive causando uma comoção que culminou com o fechamento do ótimo blog de MP3 ao vivo: o Mystic Chords Of Memory. A ação é inexplicável. Primeiro, o Weezer é um grupo que deve sua existência aos nerds que espalharam seus MP3 pela web nos dias negros de Cuomo. Segundo, o arquivo é de um show e não de um disco. Bandas como U2, Pearl Jam, Queens Of The Stone Age apóiam a idéia e até fazem trabalhos de digitalização direto em mesa de som para vender discos mais baratos e com boa qualidade dos shows. Estaria o Weezer virando o novo Metallica? Quem diria... Em tempos de Radiohead de graça, o Weezer apronta uma dessas. Patético e inútil (você pode achar o show em vários locais). O link NÃO está nos comentários, viram???? Não está!!! Juro que não está!

2 comentários:

BAEA disse...

olha: hxxp://www.filemojo.com/l.php?flink=01875012720079&fx=

erikinha disse...

É, tao apagando tudo mesmo...
Eu acho que conheco essa historia do post. Enquanto vc chorava pitangas, acho que eu ouvia only in dreams na Alemanha num quartinho num lugar massa em Freiburg, vendo esquilos de manha!!!
Acho que melhorei de uma Bronquite ouvindo Weezer e Afghan (comprei todos deles la).
Weezer eh totalmente Recife e Alemanha. Lembra muito os meninos (Fe e Ge, principalmente).
Da uma saudade das boas.