quarta-feira, 8 de outubro de 2008

SANGUE REAL


Vampiros são criaturas que precisam ser tratadas com o maior cuidado. A mitologia dos sugadores de sangue é facilmente corrompível e extremamente sedutora para péssimas idéias. Desde que Bram Stoker escreveu seu Drácula, o mundo viu vampiros brasileiros (Bento Carneiro), vampiros negros (Um Vampiro no Brooklyn, com Eddie Murphy), caçadores de vampiros (Buffy), meio-vampiros (Blade), clássicos (os Drácula da Castle e de Coppola), vampiros pop (Anne Rice), vampiros emo (Crepúsculo), vampiros futuristas (Drácula 2000), vampiros no Alasca (30 Dias de Noite) e milhares de outros que você pode encontrar na essencial obra de Gordon Melton, O Livro dos Vampiros (tenho a primeira edição, já desatualizada, e ela é fantástica).

A maioria das idéias acima são de gosto duvidoso. Então, entende-se a desconfiança em volta de True Blood. Afinal, como modernizar vampiros de forma original e sem parecer ridículo? Só contratando um especialista em mortos. Alan Ball. Dono do roteiro devastador de Beleza Americana, Ball ganhou notoriedade com a criação de Six Feet Under, série sobre uma família disfuncional que mantinha uma casa funerária. A série chegou ao fim há dois anos. Numa ida ao dentista, o roteirista e diretor conheceu o livro Dead Until Dark, o primeiro da série Sookie Stackhouse: The Southern Vampires, de Charlaine Harris.

Foi a mordida do que viria a ser a melhor série de televisão de 2008.

Comprada pela HBO, o que garante o tom pesado e sexual do programa, True Blood estreou há pouco mais de um mês nos Estados Unidos e provou que novas idéias ainda têm espaço no velho tema da chupação de sangue.

O que torna True Blood tão especial? Em primeiro lugar, a mitologia. No mundo criado por Ball e Harris, os vampiros saíram do armário, revelaram sua presença aos mortais, e toda uma política social precisa ser transformada por causa desta revelação. Afinal, como religiões de todo o planeta enxergam o surgimento real de uma raça lendária? Como os humanos comuns reagem à presença de mortos-vivos poderosos que podem satisfazer os desejos mais selvagens de seus parceiros? Como fica a vizinhança com um vampiro no bairro? Como políticos encaram esse novo eleitorado? Eles podem votar? São americanos?

A sociedade inicia um processo de aceitação e os vampiros precisam aceitar viver sob certas regras. Uma bebida criada por um cientista japonês imita sangue e satisfaz a sede de sangue de alguns dos "monstros". Humanos brigam no mercado negro por uma droga que faz o Viagra e a cocaína substâncias leves, o V - sangue vampiresco, vendido a peso de ouro por traficantes.

Neste cenário, Sookie Stackhouse (Anna Paquin, ironicamente dona do papel de Vampira em X-Men), uma nada comum garçonete de Bon Temps, Louisiana, conhece seu primeiro vampiro e se apaixona. William Compton (Stephen Moyer), transformado durante a Guerra civil americana, também se encanta pela moça. Ela consegue ler mentes, menos dos vampiros. Ele consegue qualquer mulher, menos Sookie. Parece brega, mas o tratamento de Alan Ball passa anos luz de qualquer pieguice. As metáforas com o sexo estão cada vez mais explícitas na série e é até difícil imaginá-la em outro canal, sem peitos e palavrões inundando cada minuto de telinha. O criador da adaptação sabe que levar a sério os personagens era algo essencial. E, além de desnudar seus protagonistas com camadas e mais camadas de complexidade e emoções, Ball cria um círculo de personagens secundários apaixonantes, engraçados ou não. É interessante notar como a série brinca com sua seriedade sem nunca fazer o espectador se desprender de um mundo que parece verdadeiro.

A história de amor de Sookie e William é apenas a espinha dorsal da obra. Não há pressa em acabar com a tensão sexual. Alan Ball entende que não é fácil o relacionamento entre humanos e vampiros. WIlliam é tão sedutor quanto perigoso e o roteirista não deixa ninguém esquecer isso por nenhum momento. A mitologia também vai sendo descortinada aos poucos. Sabemos sobre alguns vampiros mais velhos, entendemos que há senadores lutando pelos direitos das criaturas, Tru Blood parece bebida que podemos encontrar em qualquer bar, e lendas são desmitificadas (cruzes, alho) ao mesmo tempo que são utilizadas (vampiros que só entram na casa dos outros com convite). Visualmente, acho que True Blood só perde para Pushing Daisies. Em texto, não há nenhuma hoje tão bem escrita, tão instigante e sem furos quanto ela. Não à toa, foi renovada para um segundo ano pela HBO. Esqueça tudo que você sabe sobre vampiros... Aliás, lembre-se de tudo que você sabe sobre vampiros. True Blood faz questão de recordar porque os donos da noite, os imortais que caminham sobre a terra, são tão pertubadores e fascinantes. Ah, quando o cinema vai aprender?

Tá a fim de arrumar um(a) vampiro (a) pra se engraçar? Visite o LoveBitten.

Tá querendo saber mais sobre a presença de vampiros na sua vizinhança e como lidar com eles? Passe um tempo na American Vampire League.

Não aceita a presença desses monstros e quer manter os humanos livres dessa praga de dentes afiados? Se junte à Fellowship Of The Sun.

Quer apenas experimentar o gosto da bebida Tru Blood? Peça aqui, mas saiba que ela é melhor servida morna... como sangue humano.


A melhor abertura de série do ano:



PS - Para quem quiser saber, a música de abertura de True Blood é de Jace Everett e chama-se "Bad Things".

Um comentário:

Roberto Mello disse...

Gostei do texto.
Só teria frisado que o ponto-chave é exatamente a criação do tal TruBlood. A partir da criação da bebida é que toda a trama e todos seus detalhes se desenrolam. Vampiros vindo a tona etc.
Não é um mero elemento a mais.

Abraxas.