quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Campo de batalha: Terra

Não sei se você lê a Pixel Magazine todos os meses (deveria). Mas, além de traduzir Y - O Último Homem (que ainda vai ganhar um post grande aqui no momento certo), também fiz um textinho sobre DMZ, o que deve ser meu gibi preferido neste momento. Resolvi colocar o artigo no blog, porque estamos em época de eleições - mundiais e locais - e porque gostei dele pela mudança de referências e temas. Interessante que caiu como uma luva em formato de blog, onde posso colocar links para as citações. Maaassss o legal mesmo é ler nos comentários no blog da Pixel, comandado pelo editor camarada Cássius Medauar, coisas como "Texto panfletário de estudante da USP". ahahaha.. Sensacional. Só presta assim!!


CINZAS DA BANDEIRA AMERICANA

Por Rodrigo Salem

Os tempos são outros. Não somente em nossas acomodações ou capacidade de comunicação. Os tempos mudaram até a capacidade humana de subverter as estruturas. Cantar “Eu sou o Anti-Cristo” simplesmente virou tecido de camisas para quem deseja parecer cool pagando bem caro para ser um idiota customizado. A subversão mudou. Quando qualquer um pode discursar em vídeos amadores no You Tube, como uma geração rebelde pode ter uma só voz? E não se engane. As armas de manipulação ainda são as mesmas desde que Jenny Holzer escreveu seus “Inflammatory Essays” há pouco menos de 30 anos (tenho certeza que você encontrará facilmente isso no Google):

O medo de perder sua comodidade. A pose de liberdade total diante de uma vigilância controlada. O pseudo-livre arbítrio do mundo virtual para que o mundo real não seja atingido. A transmissão de dados em profusão para não evitar confusão. Seus dados no Orkut, Facebook, MySpace para os grandes conglomerados. A manipulação nunca foi tão inteligente e discreta. E há um sujeito que compreende isso hoje nos quadrinhos. Não é Alan Moore com suas viagens lisérgicas. Não é Warren Ellis, nem suas prostitutas neodimensionais. Não é Grant Morrison no comando de seus agentes invisíveis do incômodo.

Esse cara é Brian Wood. E sua arma se chama DMZ.

Não vou ficar pagando uma de puxa-saco de autor e de suas obras. Primeiramente, porque não faria a menor diferença o que eu dissesse aqui sobre um escritor que é tão indicado ao prêmio Eisner que um dia pode se tornar o Charles Chaplin deste “Oscar dos Quadrinhos”. Em segundo lugar, você deve ser inteligente o suficiente para estar acompanhando DMZ (quase) todos os meses na Pixel Magazine e não precisa do mané aqui para reforçar seu cérebro nerdístico. O foco é a compreensão de Wood do novo mundo, da nova subversão global e do controle informacional que deveria nos libertar e, aos poucos, começa a acorrentar uma geração inteira. É sobre um jornalista jogado num campo de guerra. É sobre os dois povos que habitam os mesmos Estados (des)Unidos da América. É sobre a tomada de poder de um presidente invasor. É sobre como muitos pagam o pato em nome de poucos. É sobre o mundo moderno e como sobreviver nele.

Brian Wood utiliza o corpo e cabeça do “foca” Matthew Roth para discutir questões importantes. Quem acompanha o trabalho de Wood como designer (capas de Freqüência Global, consultor da Rockstar, produtora de games controversos como GTA e Manhunt) ou nas duas funções em Demo e Channel Zero, sabe que o nova-iorquino talvez seja o escritor mais em contato com a geração wireless. Não cansa de discutir o papel da imprensa não-institucionalizada e prega contra as grandes redes. Qualquer estudante de mídia deveria passar um dia lendo e analisando suas obras. DMZ não sai dessa sintonia, mas consegue ser mais pop que as outras revistas, mesmo lidando com um assunto pesado: ao enviar tropas para ocuparem países e, conseqüentemente, aumentando a recessão na América do Norte, seria possível que as conhecidas milícias armadas do centro-sul dividissem os EUA em dois?

Não é preciso muita imaginação para saber de onde o material vem. Uma olhada de poucas horas na CNN, uma lida no New York Times ou Washington Post e uma pesquisa sobre a fortaleza mediática de Rupert Murdoch (News Corp) dão um pouco da realidade jornalística de DMZ.

Como o maior ato patriótico de um ianque consciente é ser antipatriótico nos últimos seis anos, Brian Wood convocou uma força de ataque que faria McCain e os republicanos mais radicais rolarem pelas areias do deserto petrolífero que tanto amam. Passou por cima de problemas raciais e transformou Nova York num campo de guerra. Levou Bagdá para as entranhas de Manhattan, com soldados disparando contra grupos religiosos, jornalistas seqüestrados, pessoas comum encontrando a civilidade que haviam esquecido em seus sofás macios, amores shakespearianos, paranóia governamental e, o mais importante de tudo, o papel da imprensa digna na zona de batalha, e não apenas nos quartos de hotéis com vista para o céu riscado por mísseis terra-ar, fumaça negra e bombas “inteligentes”.

DMZ tem mais inspiração jornalística numa página que todos os jornais brasileiros durante dois anos de circulação. Brian Wood como chefe de redação nunca teria noticiado que “Um avião da Pantanal caiu na zona sul de São Paulo” quando uma loja de colchões pegou fogo na capital paulista. Teria demitido qualquer um que, na pressa para ser o primeiro a registrar a “tragédia”, tivesse confiado na empresa concorrente e não apurara nada, não realizara um telefonema sequer, antes de confirmar a queda de uma aeronave. Como no Brasil a tendência é de esquecimento – principalmente quando nosso Rupert Murdoch reside no Jardim Botânico do Rio de Janeiro ou numa torre de vidro em São Paulo –, ninguém levou a discussão adiante (ou quase ninguém). Ninguém pensou na queda das ações da Pantanal, ou na preocupação das famílias dos passageiros, ou nos moradores da área.

No mundo de Matthew Roth, talvez a imprensa seja utópica: batalhadora, verdadeira e despida de ego. Talvez Brian Wood resgate o sentido de “comunicação social”, o termo certo para o que hoje em dia costumamos chamar de mídia, e se torne inteligentemente subversivo para os padrões de hoje. A única certeza, no entanto, é de que você não passa pelo terreno minado de DMZ sem conseqüências. Mesmo que seja fazer um blog para falar mal de algo ou escavar a Internet além dos joguinhos e fóruns de ódio de adolescentes. Há um mundo todo a sua volta. DMZ é apenas um gibi, mas O Príncipe, de Maquiavel, também era apenas um livreto...

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